segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Suicídio de pastores

Falar sobre o suicídio é inevitável. Até pouco tempo atrás tinha-se a ideia de que falar sobre o assunto aumentaria o número de casos, o que é uma inverdade. Uma boa conversa ou debate sobre o auto extermínio pode identificar pessoas ao nosso lado que têm essa tendência e pode salvar vidas.
O número de pessoas que tiram a própria vida é alarmante. Chega a 800 mil pessoas por ano, o que equivale dizer que a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio. Vale dizer que as taxas globais caíram 9,8 % entre 2010 e 2016. Especialistas apontam estratégias de prevenção como a causa do declínio nessa taxa, o que só ressalta a importância de se falar no assunto, implantar programas de prevenção, conhecer as vitimas potenciais e tentar ajudar de alguma forma. 
No Brasil, ao contrário das estatísticas mundiais, o número ainda é grande, apontando aumento de 24%  entre os anos de 2006 e 2015, entre adolescentes entre 10 e 17 anos moradores de grandes cidades, com destaque para Belo Horizonte (MG), que registrou 3,13 caso para cada 100 mil habitantes. 
Com números tão alarmantes, passamos a ver casos de suicídio nas diversas camadas sociais e profissionais. Policiais, médicos, professores, estudantes, crianças, adolescentes, pastores. Pastores? Sim, pastores. 
É sabido que o pastorado é uma vocação, e não uma profissão propriamente dita. No entanto, sabemos que o pastorado é uma atividade laboral cansativa, que exige do vocacionado tempo integral em suas atividades, que envolvem nada mais, nada menos que cuidar dos problemas alheios. Ele, além de pastor, é esposo, pai, psicologo, médico, psiquiatra, conselheiro, conciliador, juiz de paz, terapeuta, teólogo, orador, ensinador, pregador, entre tantas outras atividades esperadas do pastor. No meio disso tudo, esquecemos que o pastor tem alma, é ovelha, tem sentimentos, é alguém como nós, que precisa de atenção e cuidados.
Entre os casos recentes de suicídio de pastores, que podem ser pesquisados na própria internet, temos aqueles que estavam envolvidos em problemas extraconjugais, outro acusado de abuso sexual, entre outros casos. Porém, nas sua maioria, o peso do ministério pastoral tem sido apontado ou discutido como uma das principais causas do auto extermínio de pastores. Nesse sentido, o ofício de pastorear parece ser um fardo difícil de carregar, algo que passa a ser indesejado pelos jovens candidatos. Mas, será quais são as principais causas de estresse no pastorado, que tem levado pastores a adoecerem e tirarem a própria vida?
Sem querer parecer a resposta definitiva, a experiência mostra que os assuntos ministeriais, internos, são mais desgastantes do que o cuidado com a própria igreja. O pastor moderno transformou-se em uma espécie de empreendedor espiritual, cujo perfil deve suprir a demanda de mercado dos fiéis. Em um mundo cada vez mais rápido, levado pelas tecnologias, o pastor vê-se obrigado a acompanhar as tendências de exigência do mercado da fé. Ele precisa ser muito mais que um vocacionado, um homem de Deus, ele precisa se adequar ao público, e mais ainda, a um sistema eclesiástico que exclui, sem dó ou piedade, aquele que não se adequar. É comum ouvirmos velhos pastores dizendo a seguinte frase: "Não sou pastor para essa geração", ou "Não sou pastor para esse tempo." E nesse afã de suprir as demandas ministeriais para os tempos modernos, ou de um ministério totalmente alheio ao propósito bíblico, surge um sistema político onde sobrevive o mais forte. Falta ética, respeito, camaradagem, compromisso com os pastores e suas famílias. Encontramos um ministério onde sobra intrigas, divisões, traições, conchavos, ataques, barganhas, e isso por parte inclusive de algumas de nossas lideranças. 
Resultado: pastores doentes, não por causa de sua vocação ou pelo cuidado da igreja, mas pelo contexto extremamente cansativo que sem dúvida vai lhe causar esgotamento físico, espiritual e psicológico. O que entristece é a falta de humildade para o reconhecimento que estamos no rumo errado, que precisamos mudar, que é preciso dar segurança aos nossos pastores para que eles cumpram com alegria o seu ministério. 
Muitos desses pastores deixaram profissão para trás, cidades, círculos profissionais, carreiras, sonhos pessoais. Alguns, provaram para suas próprias esposas que valia a pena deixa tudo e servir ao ministério. Por isso, é tão difícil encarar a realidade e voltar atrás, como ouvimos muitos dizerem: "Por que não entregou o ministério e continuou a vida?" Não é tão fácil. Além de tudo já mencionado, vem o sentimento pessoal de fracasso, de estar fazendo muito e colhendo pouco, de falta de reconhecimento, ou simplesmente de não estar atendendo a sua vocação como deveria. Recuar no ministério, voltar para casa, é ser visto como alguém que "tirou a mão no arado", alguém que não é digno, mesmo nesse contexto retromencionado. Tem que ser muito forte.
Portanto, mais do que um peso colocado pela igreja na vida dos pastores que tiram a própria vida, ou o peso da própria vocação, este texto o convida a analisar o peso colocado pelo sistema "ministerial moderno", onde a ter é mais importante do que o ser. Onde a luxúria tomou o lugar da simplicidade. Onde o poder se mede pelo número de igrejas que se possui. Sim, possui. Onde conviver com o pecado passou a ser comum, em nome de uma pseuda ética ou moral. Onde vale mais, quem tem mais. Um lugar que  deveria produzir vida, mas que para alguns tornou-se motivo de morte. 
Que Deus restaure o ministério brasileiro. Que o Senhor nos ajude a melhorar. Que a nossa vida seja instrumento de restauração. Que o nosso altar seja restaurado. Que a beleza do ministério ainda possa atrair jovens vocacionados. Que tenhamos a convicção que o verdadeiro ministério, divino, é sem máculas ou manchas, é santo. Que o ministério cuide, e não mate.

Deus abençoe a sua vida.

Pr. Samuel Eudóxio

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